28 fevereiro 2012

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas, 


pelo silêncio fascinadas.


Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

27 fevereiro 2012

Fazer do objecto comum um achado

Severija Incirauskaite é uma artista têxtil lituana que borda a ponto de cruz  objectos metálicos  do quotidiano  
Sobre o seu trabalho a artista diz:
“In my work, I take pleasure in things that are only insignificant details to most people. An ordinary human being and mundane fragments of his or her life acquire an exceptionally important meaning in my works; meanwhile, recognised icons of beauty are less important to me. A banal understanding of beauty and utilitarian things: these are the objects that interest me and inspire creation. Therefore, I use fragments of popular culture, the so-called kitsch, in my art. When they appear in a new context, like some kind of ‘quotations,’ they help to create works that reveal my personal experience and point of view.”













24 fevereiro 2012

Design consciente

Gulnur Özdağlar (arquitecta e designer) pensa que a solução real a nível da recuperação dos lixos civilizacionais é o"upcycling" em vez de reciclagem simples. Seu objectivo é substituir com valor-trabalho e arte as características que o material perde durante a transformação, obtendo assim um produto de maior valor. Desde 2008  tem vindo a produzir acessórios de decoração,  copos,  jóias,   através da reciclagem de garrafas PET.  Ela recolhe,   aquece, recorta,  derrete,  fura e remodela garrafas.Desta forma, ela oferece sua própria resposta pessoal ao problema da reciclagem.



 
 







21 fevereiro 2012

Amigo

Mal nos conhecemos Inaugurámos a palavra «amigo».

«Amigo» é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
 
«Amigo» (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
 
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
 
«Amigo» é a solidão derrotada!

 «Amigo» é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

17 fevereiro 2012

Humor e papel machê

Philippe Balayn (nascido em 1961 em Boulogne , França) engenheiro de formação mas sempre dedicado ao desenho, opta pela sua paixão após 20 anos na indústria de informática, começando a sua carreira artística com desenhos de humor. A prática da escultura  impôs-se naturalmente com a técnica de papel machê, permitindo-lhe desenvolver um estilo original bem humorado.
 
 
 
 
 

14 fevereiro 2012

Poema Quotidiano

É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor não calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mãos no sol como hoje
Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pôs reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundo

Há quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pão
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar... Foi uma autêntica loucura
O astro-rei tornado acessível a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistência rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?

Mas hoje o sol
morreu como qualquer de nós
Ficou tão triste a gente destes sítios
Nunca foi tão depressa noite neste bairro


Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates"

10 fevereiro 2012

As esculturas anatómicas de Lorenzo Nanni

Lorenzo Nanni ( nasc 1979) é um designer têxtil italiano a viver em Paris, inspira-se em formas orgânicas vegetais e animais  para fazer intrincadas peças em fibras naturais feltradas e bordadas a contas de vidro.
A sua aparência tentacular cria a impressão de uma quase “infestação” visceral, um implícito crescimento continuo que anima a forma anatómica das obras . Alguns trabalhos chegam a ter algo de sinistro, apesar de toda a sua beleza.
 
 
 
   
 
 

07 fevereiro 2012

Dizer Não

Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.

Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.

Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.

Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.

Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.

Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.

Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.

Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenarmo-nos em gado sob o comando de um pastor.

Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.

Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.

E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.

Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 1"

03 fevereiro 2012

As cerâmicas de Tony Marsh

Nascido em 1954 em New York City, New York, Tony Marsh, dedica-se à cerâmica com grande paixão. Segundo revela não teve o objectivo de trabalhar limites da técnica a fim de explorar o novo, nem fez uma tentativa consciente na busca duma expressão radical.  A sua arte é uma homenagem e um passeio pelo coração de uma enorme e rica tradição pan-asiática de cerâmica. Premiado em inúmeras exposições, é referido em nas edições que reúnem os melhores artistas da técnica e está presente nas mais conceituadas colecções privadas e públicas.
Marsh descreve assim o seu trabalho:
"I am fascinated by [the ceramic vessel's] deep and unparalleled history and position between nature and culture. While the vessels that I make are not utilitarian nor do they specifically refer to an historical pottery type or style, I believe that I use them as a device to address the essential. On a simple level they do attempt to pay homage to what pottery from around the world has always been required to do: hold, store, preserve, offer, commemorate, and beautify. In the end, whether it might be a vase on a table, an empty coin bank, the bowl on the night stand, a burial urn or a ballot box, what could be more natural than to put something in a vessel? "