24 abril 2012

O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo. 


Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...


Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

20 abril 2012

Labirintos brancos,impressionantes e muito belos

Motoi Yamamoto (nasc. 1966 em Onomichi, Hiroshima, Japão) usa sal refinado para fazer as suas espectaculares instalações tanto pela escala como pelo efeito cénico.Estas grandiosas obras (têm nomes como “labyrinth, the white forest,  land of meditation . a corridor to remembrance, floating garden, etc”) nomeadamente os “Labirintos”,consistem em delicados rendilhados tecidos pacientemente em espaços muito dispares, criando um imenso e poético manto branco que impressiona pela sua exuberância.

17 abril 2012

Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual.

Daniel Faria, in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"

13 abril 2012

A arte pixelada de Christian Faur

Christian Faur (Granville, Ohio) é um artista americano com formação em Física e desenvolve um trabalho fascinante. As coisas que o inspiram a criar, segundo ele, estão dentro das estruturas e sistemas lógicos que são a base do nosso mundo natural. Estes sistemas funcionam como uma linguagem privada, que lhe permite expressar muitas camadas de significado dentro de cada trabalho.  Estes trabalhos são da série feita com lápis de cera coloridos, usados em assemblagem como se fossem pixels. Têm mensagens escondidas, decifráveis através dum código alfabético cromático da sua autoria, em  que utiliza cores puras para imitar a função de letras (glifos) dentro da linguagem da forma.

 “My earliest memories of making art involve the use of wax crayons. I can still remember the pleasure of opening a new box of crayons: the distinct smell of the wax, the beautifully colored tips, everything still perfect and unused. Using the first crayon from a new box always gave me a slight pain.”

10 abril 2012

Fui Sabendo de Mim

Fui sabendo de mim
por aquilo que perdia 


pedaços que saíram de mim
com o mistério de serem poucos
e valerem só quando os perdia

fui ficando
por umbrais
aquém do passo
que nunca ousei

eu vi
a árvore morta
e soube que mentia

Mia Couto, in "Raiz de Orvalho e Outros Poemas"

06 abril 2012

Imagens imaginadas, ilustrações de Maggie Taylor

Maggie Taylor (nasc. 1961, Cleveland, Ohio) é uma artista que trabalha com imagens digitais. Fotografias antigas sobrepostas, objectos e muito tratamento de edição é o processo usado pela fotógrafa. Ela produz impressões, digitalizando objectos e manipulando as imagens (compostas, combinadas e coloridas usando o AdobePhotoshop). Numa imagem típica composta pela artista, pode haver 40-60 + layers.
Além do imaginário pitoresco e sensibilidade poética das suas ilustrações, é interessante perceber que são criadas sem equipamentos dispendiosos. Criatividade originalidade e bom gosto são as principais ferramentas.

O seu trabalho tem sido amplamente exibido nos Estados Unidos e Europa e está representada nas colecções permanentes de várias galerias e museus.
      





03 abril 2012

Retrato Ardente

Entre os teus lábios
é que a loucura acode
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"