29 junho 2012

são criaturas delicadas

Alvena Hall (Austrália) é uma artista têxtil especializada em costura, bordados e rendas, corantes e impressão. É mestre em Artes Visuais na Flinders University (Adelaide) Muito activa na dinamização e divulgação de novos criadores é bastante requisitada para integrar exposições e orientar workshops, tanto localmente como em eventos internacionais.As suas áreas especiais de interesse são o ambiente, paisagem e tecnologia.



Aos trabalhos das imagens Alvena chama “Os fósseis de Ediacara” que são criaturas delicadas, os primeiros animais multicelulares conhecidos neste planeta. foram descobertos nas Faixas de Flinders, na Austrália do Sul, e têm cerca de 540 milhões de anos. (Materiais : gaze de algodão, papel de arroz, fio de algodão e composto endurecedor)

26 junho 2012

Adeus.

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
 Adeus.

Eugénio de Andrade, in “Poesia e Prosa”


19 junho 2012

Passamos pelas coisas sem as ver

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.


Eugénio de Andrade

15 junho 2012

O artificio das formas orgânicas

PhoebeCummings (nasc.1981) vencedora da British Ceramics Biennial 2011, é uma jovem artista britânica que faz instalações de barro cru. Trabalhou como artista residente no V & A Museum . 
O seu trabalho explora as conexões entre o ambiente interior e da paisagem, considerando os espaços psicológicos de objectos e lugares.  A transitoriedade e instabilidade das suas formas enfatiza a passagem do tempo .Processo e material permanecem de importância particular, muitas vezes, as peças concebidas como intervenções temporárias são construídas directamente no local.
 
  

12 junho 2012

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

05 junho 2012

A difícil escada do mérito

Que terrível trabalho tem um homem, sem padrinhos e sem esquemas, sem estar escrito em nenhuma corporação, sendo sozinho e só tendo por recomendação um grande mérito, para fazer luz sobre a obscuridade em que se encontra, e chegar ao nível de um tolo bem cotado! Quase ninguém percebe por si mesmo o mérito dos outros. Os homens são demasiados ocupado consigo mesmos para ter tempo de compreender e discernir os outros: daí o facto de que com grande mérito e modéstia ainda maior poder-se ficar muito tempo ignorado.
O génio e os grandes talentos muitas vezes faltam, às vezes também faltam apenas as ocasiões: alguns podem ser louvado pelo que fizeram, outros pelo que teriam feito. É menos raro encontrar espírito, do que pessoas que se sirvam do seu, ou façam valer o dos outros e o utilizem em alguma coisa.
Há mais ferramentas do que operários, e entre estes, há mais maus que excelentes: que pensar de quem queira serrar com uma plaina e tome o serrote para aplainar?
Não há no mundo trabalho mais penoso que o de fazer nome ilustre: a vida acaba quando apenas se esboçou a obra.

Jean de La Bruyére, in "Os Caracteres"

01 junho 2012

As esculturas de papel de Jennifer Collier

Jennifer Collier trabalha a partir de papel reciclado, colando, encerando, prendendo e costurando para produzir "tecidos" que são usados como tecidos para explorar e 'refazer'  objectos de temática doméstica. O próprio conteúdo dos papeis, a comunicação impressa tanto o texto como a imagem, serve de inspiração para as formas das suas esculturas. "Meu trabalho é muitas vezes inspirado pela literatura. O trabalho é não-funcional e tem como objectivo incentivar as pessoas a especular sobre o valor da natureza. Gosto da ideia de trabalhar com materiais descartáveis orgânicos que são de natureza transitória, imbuindo-os com valor e criando algo intrigante e de grande beleza. " Jennifer Collier
 

  
 


29 maio 2012

Não o Sonho

Talvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora. 

Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"

22 maio 2012

A Solidão do Artista

Diz-se às vezes de certas pessoas, e para isso se reprovar, que têm dupla personalidade. Mas dupla ou múltipla têm-na normalmente os artistas. Ela é pelo menos a do convívio exterior e a do seu intimismo. Se trazem esta para a rua, são quase sempre insuportáveis. Só se suporta o que é de um profundo interesse, quando isso é rentável. Imagino que o capitalista tenha na sua vida íntima um mundo de cifrões. Se o cifrão vier à rua, tem ainda cotação. Mas o artista? Mesmo a coisa minúscula da sua pequena vaidade é irritante. Um político pode blasonar pimponice, que tem adeptos a aplaudir. O artista é um condenado, com o ferrete da ignomínia. O seu dever social é ocultar a degradação ou então marginalizar-se. Para efeitos cívicos ou mundanos, só depois de bem morto. A solidão é assim o seu destino. Aí sofre ou tem alegrias, aí obedece a um estranho mandato que lhe passaram na eternidade. Discreto, envergonhado, todo o seu esforço, no domínio das relações, é esconder a sua mancha. Nenhum povo existe senão pelo seu espírito. Somos o que somos pelo que foi excepção dos que nos precederam. Mas o dia a dia não é espiritual, e é esse que tem de se viver. Há uma lei injusta que condenou o artista como a outros condenou com uma deficiência física ou a serem tarados. Mas a um tarado (interrompido).

 Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 3'

18 maio 2012

Desenhar rendas como organismos naturais

Lenka Suchanek (nasceu na Checoslováquia, vive no Canadá) é uma designer especializada em rendas cujo trabalho é desenvolvido a partir do estudo da digitalização de imagens microscópicas de formas de vida que têm uma estreita semelhança com os padrões de rendas artesanais. A artista usa as imagens originais das estruturas celulares de organismos animais e vegetais e converte-as em projectos consistentes e lógicos.
O trabalho de Lenka Suchanek foi premiado em vários países (Canadá, Checoslováquia, Austrália, USA,Espanha, Itália) Para a execução das suas peças usa fio de metal (cobre, bronze, prata).

15 maio 2012

A Grande Originalidade

É curioso. Só se julga profundo o que disser coisas diferentes de toda a gente. E todavia a grande originalidade está em dizer as mesmas coisas, mas ao nível do espanto e maravilha que nos despertam. Toda a gente sabe que o homem é mortal, mas poucos vêem isso e se espantam de que seja assim. Toda a gente sabe que há bichos e plantas e estrelas e o mais. Mas conhecê-lo ao nível do extraordinário que aí existe é raro como ser doido.
A grande originalidade não é dizer coisas novas mas ser novo diante das coisas velhas.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 3'

08 maio 2012

Amo o Caminho que Estendes

Amo o caminho que estendes por dentro das minhas divisões.
Ignoro se um pássaro morto continua o seu voo
Se se recorda dos movimentos migratórios
E das estações.
Mas não me importo de adoecer no teu colo
De dormir ao relento entre as tuas mãos.

Daniel Faria, in "Dos Líquidos"

04 maio 2012

Heranças de familia

Erin Endicott ( New Jersey) é um artista têxtil que utiliza  tecidos e bordados antigos já usados para redesenhar as suas peças, evocando a história passada de cada uma. Para Erin, o acto de reparar,  de "trabalhar através de",  envolve mostrar as”feridas” e exercer sobre elas um quase cerimonial simbólico de cura, num processo lento e emocional de revitalização destes objectos que constituem a sua herança familiar. Numa atitude de apropriação contemporânea, pinta com corantes naturais e recupera bordando as manchas e buracos, mapeando iconograficamente a vida dos seus trabalhos.

Erin explica  o seu processo:
Antique fabrics, clothing and linens
My dowry passed down through generations
My history woven into this cloth
A fine cotton tablecloth
Lovingly mended by my great-grandmother
Becomes a little girl’s dress

Delicate cloth
Beautifully worn and threadbare
Stained by an artist’s hand
Walnut ink flowing into complex organic shapes
Subtleties of value, depth
Bringing the wound to life

Lost in the meditation of stitching
Repetition, contemplation
From within the fabric
Memories reveal themselves

Stitches, like words
The story grows
Lines graceful, unfurling
Drawing with thread
The Healing begins



 
 
 


01 maio 2012

A Vida não Está por Ordem Alfabética

A vida não está por ordem alfabética como há quem julgue. Surge... ora aqui, ora ali, como muito bem entende, são miga­lhas, o problema depois é juntá-las, é esse montinho de areia, e este grão que grão sustém? Por vezes, aquele que está mesmo no cimo e parece sustentado por todo o montinho, é precisamente esse que mantém unidos todos os outros, porque esse montinho não obedece às leis da física, retira o grão que aparentemente não sustentava nada e esboroa-se tudo, a areia desliza, espalma-se e resta-te apenas traçar uns rabiscos com o dedo, contradanças, caminhos que não levam a lado nenhum, e continuas à nora, insistes no vaivém, que é feito daquele abençoado grão que mantinha tudo ligado... até que um dia o dedo resolve parar, farto de tanta garatuja, deixaste na areia um traçado estranho, um desenho sem jeito nem lógica, e começas a desconfiar que o sentido de tudo aquilo eram as garatujas.

António Tabucchi, in 'Tristano Morre'

24 abril 2012

O Beijo

Congresso de gaivotas neste céu
Como uma tampa azul cobrindo o Tejo.
Querela de aves, pios, escarcéu.
Ainda palpitante voa um beijo. 


Donde teria vindo! (Não é meu...)
De algum quarto perdido no desejo?
De algum jovem amor que recebeu
Mandado de captura ou de despejo?

É uma ave estranha: colorida,
Vai batendo como a própria vida,
Um coração vermelho pelo ar.

E é a força sem fim de duas bocas,
De duas bocas que se juntam, loucas!
De inveja as gaivotas a gritar...


Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

20 abril 2012

Labirintos brancos,impressionantes e muito belos

Motoi Yamamoto (nasc. 1966 em Onomichi, Hiroshima, Japão) usa sal refinado para fazer as suas espectaculares instalações tanto pela escala como pelo efeito cénico.Estas grandiosas obras (têm nomes como “labyrinth, the white forest,  land of meditation . a corridor to remembrance, floating garden, etc”) nomeadamente os “Labirintos”,consistem em delicados rendilhados tecidos pacientemente em espaços muito dispares, criando um imenso e poético manto branco que impressiona pela sua exuberância.

17 abril 2012

Explicação da Ausência

Desde que nos deixaste o tempo nunca mais se transformou Não rodou mais para a festa não irrompeu
Em labareda ou nuvem no coração de ninguém.
A mudança fez-se vazio repetido
E o a vir a mesma afirmação da falta.
Depois o tempo nunca mais se abeirou da promessa
Nem se cumpriu
E a espera é não acontecer — fosse abertura —
E a saudade é tudo ser igual.

Daniel Faria, in "Explicação das Árvores e de Outros Animais"

13 abril 2012

A arte pixelada de Christian Faur

Christian Faur (Granville, Ohio) é um artista americano com formação em Física e desenvolve um trabalho fascinante. As coisas que o inspiram a criar, segundo ele, estão dentro das estruturas e sistemas lógicos que são a base do nosso mundo natural. Estes sistemas funcionam como uma linguagem privada, que lhe permite expressar muitas camadas de significado dentro de cada trabalho.  Estes trabalhos são da série feita com lápis de cera coloridos, usados em assemblagem como se fossem pixels. Têm mensagens escondidas, decifráveis através dum código alfabético cromático da sua autoria, em  que utiliza cores puras para imitar a função de letras (glifos) dentro da linguagem da forma.

 “My earliest memories of making art involve the use of wax crayons. I can still remember the pleasure of opening a new box of crayons: the distinct smell of the wax, the beautifully colored tips, everything still perfect and unused. Using the first crayon from a new box always gave me a slight pain.”